terça-feira, 30 de outubro de 2007

2.4. New Age e Cultura

2.4. “Habitantes do mito ou da história?”: A Nova Era e a cultura
«“Na realidade a atração da Nova Era tem algo a ver com o interesse pelo eu, seu valor, suas capacidades e problemas, que a cultura atual fomenta. Enquanto a religiosidade tradicional, com sua organização hierárquica se adapta bem à comunidade, a espiritualidade não tradicional se adapta bem ao indivíduo. A Nova Era é ‘do’ eu na medida em que fomenta a celebração daquilo que há de ser e vir a ser; e é ‘para’ o eu na medida em que, ao diferenciar-se do estabelecido, está numa situação capaz de enfrentar os problemas gerados pelas formas de vida convencionais”. A rejeição da tradição em sua forma patriarcal, hierárquica, tanto social como eclesial, implica na busca de uma forma alternativa de sociedade, inspirada claramente no conceito moderno do eu. Muitos escritos da Nova Era defendem que não se pode fazer nada (diretamente) para mudar o mundo e em compensação se há de fazer tudo para mudar-se a si mesmo. Mudar a consciência individual se entende como a maneira (indireta) de mudar o mundo. O instrumento mais importante para a mudança social é o exemplo individual. O reconhecimento universal de tais exemplos pessoais levará paulatinamente à transformação da mente coletiva, transformação que será a conquista mais importante do nosso tempo. Isto faz parte, claramente, do paradigma holístico e constitui uma nova formulação do clássico problema filosófico da unidade e da pluralidade. Também está relacionada com a posição junguiana da correspondência e da rejeição da causalidade. Os indivíduos são representações fragmentárias do holograma planetário; olhando o próprio interior, não só se conhece o universo, mas também é possível mudá-lo. Só que quanto mais se olha para dentro, menor se torna o cenário político. É difícil saber se esta posição pode articular-se com a retórica da participação democrática numa nova ordem planetária, ou se pelo contrário se trata de uma maneira inconsciente e sutil de privar de poder as pessoas, deixando-as à mercê da manipulação. A atual preocupação pelos problemas planetários (os temas ecológicos, o esgotamento dos recursos naturais, a superpopulação, a diferença econômica entre norte e sul, o enorme arsenal nuclear, a instabilidade política) favorecem ou impedem o compromisso com outras questões políticas e sociais igualmente inquietantes? O antigo provérbio “a caridade bem entendida começa em casa” pode proporcionar um sadio equilíbrio à maneira de abordar estes temas. Alguns observadores da Nova Era detectam um autoritarismo sinistro por trás da aparente indiferença quanto à política. O próprio David Spangler assinala que uma das sombras da Nova Era é “uma capitulação sutil frente à impotência e a irresponsabilidade esperando que chegue a Nova Era em vez de ser criadores ativos de plenitude na própria vida”. Seria certamente exagerado afirmar que o quietismo é geral nas atitudes da Nova Era. Contudo, uma das principais críticas ao movimento Nova Era é que a busca individualista da própria realização no fundo pode atuar contra uma sólida cultura religiosa. A este propósito, convém destacar três pontos: - Cabe perguntar-se se a Nova Era possui coerência intelectual para proporcionar uma imagem completa do mundo a partir de uma cosmovisão que pretende integrar a natureza e a realidade espiritual. A Nova Era vê o universo ocidental cindido por causa das categorias de monoteísmo, transcendência, alteridade e separação. Descobre um dualismo fundamental em divisões como as que existem entre real e ideal, relativo e absoluto, finito e infinito, humano e divino, sagrado e profano, passado e presente, que remetem todas à “consciência infeliz” de Hegel e são responsáveis de uma situação considerada trágica. A resposta da Nova Era é a unidade mediante a fusão: pretende reconciliar alma e corpo, feminino e masculino, espírito e matéria, humano e divino, terra e cosmos, transcendente e imanente, religião e ciência, as diferenças entre as religiões, o Yin e o Yang. Já não há, portanto, alteridade. O que fica, em termos humanos, é a transpessoalidade. O mundo da Nova Era não é problemático: não fica nada para alcançar. Porém a questão metafísica da unidade e a pluralidade continua sem resposta, talvez sem sequer ser colocada; lamentam-se os efeitos da desunião ou da divisão, porém a resposta é uma descrição de como apareceriam as coisas em outra ótica. - A Nova Era importa fragmentariamente práticas religiosas orientais e as reinterpreta para adaptá-las aos ocidentais. Isto implica uma rejeição da linguagem do pecado e da salvação, substituída com a linguagem moralmente neutra da dependência e da recuperação. As referências às influências extra-européias são às vezes uma mera “pseudo-orientalização” da cultura ocidental. Ademais, dificilmente se trata de um diálogo autêntico. Num ambiente onde as influências greco-romanas e judeu-cristãs resultam suspeitas, as orientais se utilizam precisamente porque são uma alternativa à cultura ocidental. A ciência e a medicina tradicionais são consideradas inferiores aos enfoques holísticos e igualmente acontece com as estruturas patriarcais e particulares na política e na religião. Todas estas coisas serão obstáculos para a vinda da Era de Aquário. Mais uma vez, está claro que, na realidade, optar pelas alternativas da Nova Era implica uma ruptura total com a tradição de origem. Seria necessário perguntar se realmente é uma atitude tão madura e tão liberada como se costuma pensar. - As tradições religiosas autênticas promovem a disciplina com o objetivo último de adquirir sabedoria, equanimidade e compaixão. A Nova Era reflete um anseio profundo e inextinguível que existe na sociedade de uma cultura religiosa íntegra, de uma visão mais geral e iluminadora do que aquilo que os políticos costumam oferecer. Porém não está claro se os benefícios de uma visão baseada na permanente expansão do eu são para os indivíduos ou para as sociedades. Os cursos de formação da Nova Era (o que costumava-se chamar-se “Cursos de Formação Erhard” (Erhard Seminar Trainings [EST], etc.) conjugam os valores contraculturais com a necessidade de triunfar, a satisfação interior com o êxito externo. O curso de retiro “Espírito de Negócios” de Findhorn transforma a experiência do trabalho com o fim de aumentar a produtividade. Alguns adeptos da Nova Era aderem a ela não só para ser mais autênticos e espontâneos, mas também para enriquecer-se (mediante a magia, etc.). “Os cursos de formação da Nova Era têm também ressonâncias de idéias de certo modo mais humanistas que as estendidas no mundo dos negócios, o que faz que a pessoa de negócios com mentalidade empresarial o tornem mais atraentes. As idéias têm a ver com o lugar de trabalho como “um ambiente de aprendizagem“, que “humaniza o trabalho”, “humaniza o chefe”, onde “as pessoas ocupam o primeiro lugar” ou “se libera o potencial”. Tal como as apresentam os formadores da Nova Era, é provável que atraiam as pessoas de negócios que já participaram em outros cursos de formação de corte humanista (leigo) e que queiram dar um passo a mais: interessados em seu crescimento pessoal, sua felicidade e seu entusiasmo e ao mesmo tempo em sua produtividade econômica”. Assim, está claro que as pessoas envolvidas buscam realmente sabedoria e equanimidade em benefício próprio, porém em que medida as atividades em que participam as capacitam para trabalhar pelo bem comum? À parte a questão da motivação, todos estes fenômenos devem ser julgados por seus frutos, e a pergunta que se deve levantar é se promovem o eu ou promovem a solidariedade, não somente com baleias, as árvores ou pessoas de mentalidade similar, mas com o conjunto da criação: incluindo a humanidade inteira. As piores conseqüências de toda filosofia do egoísmo, tanto se é adotada pelas instituições como por amplos setores sociais, são o que o Cardeal Joseph Ratzinger define um conjunto de “estratégias para reduzir o número dos que se sentam para comer à mesa da humanidade”. Este é um critério-chave com o que se deve avaliar o impacto de qualquer filosofia ou teoria. O cristianismo busca sempre medir os esforços humanos por sua abertura ao Criador e às demais criaturas, um respeito firmemente baseado no amor.»
In: Pontifício Conselho Cultural e Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso - Jesus Cristo Portador da Água Viva: Uma reflexão cristã sobre a "Nova Era" http://www.itf.org.br/index.php?pg=conteudo&revistaid=8&fasciculoid=89&sumarioid=1346 = Instituto Teológico Franciscano (publicação parcial on-line, em português, no Brasil). O original é inglês. Edição portuguesa total, impressa: Paulinas, Março de 2003.

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